Para além da forma e da experimentação, a arte é prática criadora de uma topologia sensível. Agregam-se de modo dinâmico à superfície de qualquer trabalho, questões discursivas, plásticas, sonoras – pontos que estão de forma constante negociando com o circuito, com a recepção, com espaços, ideias, as infinitas traduções. Existe também algo que se situa para além do ver e do interpretar, tampouco a arte seria só agregado de signos e de informações, não há essa esterilidade.

Meu contato com os trabalhos aqui dispostos se dão balizados por uma questão de escala específica e expandida. Discordo de quem afirma peremptoriamente que qualquer troca mediada por telas estaria desprovida de ressonância, como se não fosse possível uma implicação corporal dentro deste regime, uma ideia um tanto monolítica. Vejo esculturas em 3D que se agrupam feito colônias. Manipuláveis, os conjuntos funcionam de modo simpoiético e me fazem duvidar da unidade, quando surgem em primeiro plano, diagramas de relação onde pontos se rizomatizam.

A imagem digital não é imaterial. Se considerarmos uma noção expandida de materialidade podemos pensar essas imagens como sistemas que contém tendências e dinâmicas internas. Assim elas se relacionam com outros entes, com o mundo, criando uma rede de efeitos e transformações mútuas. Todo material envolve a criação de um espaço morfológico de possibilidades. Visito as salas aqui disponíveis de modo contínuo e encontro objetos que conjugam geometria, cor e movimento, que convocam o que é da ordem do inteligível para compor com o que é da ordem do sensível, sem subjugar forma a projeto. Imagens que não param de emergir e não cessam em aparecer.

O que me parece, todavia, dedicando tanto tempo à contemplação dessas imagens-objeto, é que estariam elas explicitando talvez uma forma processual de arte que não apenas se relaciona com a questão do sensível e da experiência, caras à história da arte, mas que excede essa premissa. Afinal, como espectadora não estática eu sei que tem algo da obra que sobra para mim, que resta comigo, e posso completá-la de algum modo, ou criar prolongamentos. Mas não haveria aí, ainda, um registro muito humanista, antropocêntrico?

Estar diante das esculturas criadas por Simon, para mim, é reconhecer um materialismo vitalista que muito pode contribuir para pensarmos a arte de lugares mais interessantes. É pensar a influência de objetos não humanos pelos quais humanos se movem. Estamos enredados e distribuídos em redes, emaranhados e misturas compostos por sujeitos, coisas, imagens, sons, humanos e não humanos. Coisas viventes e matéria aparentemente não-vivente possuem, igualmente, agência. A vitalidade aqui seria a capacidade de coisas agirem enquanto forças portadoras de trajetórias e tendências próprias. A matéria não é, pois, coisa passiva, crua e inerte, uma vez que cria aliança, que pode afetar.

Falou-se muito em desmaterialização da arte, mas no que isso implicaria? Quando a matéria sucumbe? As vanguardas dos anos 60 se implicaram em um questionamento intenso em torno da noção de objeto de arte, o que fez surgir partituras propositivas, uma certa presença imperativa da linguagem, a presença ativa do corpo. A comunicação e a informação criam uma nova dinâmica global e no entanto ainda seguimos interpretando o mundo como uma série de objetos fixos e reduzidos. Em 2021 concebemos de forma prática que a vida real e a vida online não se distinguem, os objetos de arte produzidos em regime de imagem digital e gerados por códigos explicitam a matéria como heterogeneidade viva – não há ponto de parada, assim como não existe átomo que não seja de forma contínua perturbado por uma força virtual.

Daniela Avellar

English Version



Beyond form and experimentalism, art is a practice that creates sensible topology. Discursive, plastic, sonorous matters are put together on the surface of any work – points that are always dealing with the reception, the spaces, ideas, endless translations. There is also something that is located beyond seeing and interpretation, art is not only about signs and information assemblages, there is no such barrenness.

A specific and expanded scale issue marks my approach with the works presented here. I do not agree with whom affirms that any exchange mediated by screens would be unprovided of resonance. As if it was not possible a bodily implication inside this regime. This is like a monolithic idea. Here I see 3D sculptures that group together like colonies. The manipulable sets functions in a sympoietic way and make me suspicious about the idea of unity when relation diagrams emerges on the foreground, making rizomatic paths.

Digital image is not immaterial. If we consider an expanded notion of materiality is possible to think these images as systems with inside tendencies and dynamics. This is how they relate with other beings, with the world, creating a network of mutual effects and transformations. Every material involves making a morphological space of possibilities. I look up these available rooms here and find objects that combine geometry, color, movement. Objects that are also calling upon intelligibility to compose with sensibility, without subjugating form to project. Images that do not cease appearing.

After devote such time looking on these object-images, however, I became to think they are maybe making explicit a procedural form of art that not only relates with sensibility and experience (one of the hard issues for art history), but they surpass such premise. As a non-static spectator, I know there is something from the work that is left to me, that remains with me. Somehow, I could complete the work, or create extensions. Nevertheless, would not still be a very humanist, anthropocentric outlook here?

To be in front of Simon’s sculptures, to me, is to acknowledge a vitalist materialism that contributes to a thinking about art in a more interesting perspective. Is to think about the influence of non- human objects by which humans move. We are entangled and distributed on networks composed by subjects, things, images, sounds, humans and beyond-humans. Living things and matter likewise have agency. The vitality here is the capacity of things to act like forces that carry their own trajectories. Therefore, matter is not a passive, raw and inert thing, since it creates alliances, which can affect other beings, other things.

Much was said about dematerialization of art, but what would that imply? When does matter collapse? The 60s avant-garde was involved in an intense questioning around the notion of art object, which gave rise to propositional scores, a certain imperative presence of language, the active presence of the body. Comunication and information create a new global dynamic and yet we are still interpreting the world as a series of fixed and reduced objects. In 2021 we practically conceived that real life and online life are not distinguished, the art objects produced in digital image regime and generated by codes make the matter explicit as living heterogeneity - there is no stopping point, just as there is no atom that it is not continuously disturbed by a virtual force.

Daniela Avellar

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